Oi, diário. Adivinhe? Estou no Brasil!
Um triste acontecimento de morte familiar nos fez vir para cá às pressas. Isso também explica a razão do meu sumiço.
Desde que cheguei, algo que tenho ouvido de 112,3% das pessoas que me encontram é: “e aí, você está gostando? já se adaptou?”. Ah, diário, você sabe quanta coisa e quanto sentimento caberiam na minha resposta.
Afinal, o que é se adaptar? De quanto tempo preciso para dizer que me adaptei? E o mais sincero: há adaptação além dos livros de Biologia Evolutiva?

Foto: CC
Chegar ao Brasil, depois de uma temporada de meses no exterior, sempre me causa um certo estranhamento. É claro que fico muito feliz em reencontrar as pessoas queridas e estar nas casas delas, mas há sempre algo de novo que não estava lá: um prédio novo na cidade que eu ainda não conhecia, uma rua que mudou de mão, uma planta nova no quarto e, o mais triste, uma pessoa a menos na casa. São mudanças que ocorrem de forma natural, mas como a gente não presencia, parece que não fazemos parte. O sentimento é de perda de conexão: observar que o mundo do lado de cá continua se desenrolando na nossa ausência. Será que ainda fazemos parte dele? Onde me encaixo?
E mesmo naquilo em que não houve mudança, os nossos olhos de observador são diferentes. Não tem jeito: viajar te contamina e, depois disso, quando você fica carregado de referências novas, o mundo muda. Até mesmo o seu mundo intocável de cidade do interior muda. E se não muda por si só, muda ao menos para você. Isso acontece de maneira irrevogável, então é preciso se acostumar, diário. E se acostumar nem sempre é se adaptar.
Tenho chegado à conclusão que a adaptação não é somente para a terra estrangeira. Talvez a mais difícil delas seja a adaptação ao seu mundo antigo, do jeito que ele é agora: novo aos seus olhos.

“A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos” – Marcel Proust
Me adaptar a Abu Dhabi tem sido um processo lento e de muita perseverança psicológica. Aprender a gostar de um lugar onde o clima é tão adverso ao meu bem-estar físico, onde a religião é ainda pouco compreendida por mim, onde o custo de vida é muito alto, onde tive a significativa perda do Dexter… a lista é longa! Se adaptar exige um enorme esforço de otimismo para não deixar que os pontos negativos ofusquem os positivos – e devemos fazer isso diariamente. É fácil? De forma alguma. Mas eu preciso acreditar que é possível.
Por outro lado, se adaptar ao novo é surpreendente e desafiador e, a depender exclusivamente da ótica em que é observada, pode ser tornar uma grata experiência de crescimento e aprendizado. É por isso que o otimismo tem sido tão fundamental no meu processo de adaptação aos Emirados.
O que é difícil, inevitável e duradouro, é se adaptar ao velho. Àquilo que seguiu sem você… Àquilo que você nunca mais verá com outros olhos. Essa eu ainda não experimentei em sua plenitude, tenho apenas flashes de como será. E é duro.
Enquanto em Abu Dhabi eu preciso ser otimista, quando volto ao Brasil eu preciso ter aceitação. Meu país ainda é carregado de problemas que já foram solucionados por outros países, aqueles mais “desenvolvidos” em que eu já estive. Por aqui, nem sempre podemos contar com a saúde e a educação providas pelo sistema público e o que dizer sobre a sensação de insegurança que acomete a todas as classes sociais. O povo, com gloriosas exceções, ainda não aprendeu a ser cortês uns com os outros no trânsito, nas filas e nos atendimentos ao público de um modo geral. Ah, diário, e se adaptar a isso depois de ter vivenciado o oposto é muito complicado…
E voltando às perguntas iniciais, a minha resposta padrão é essa: “É complicado se adaptar a tantas mudanças de uma hora para outra. Leva tempo. Eu estou dando uma chance para a cidade… Ainda não me sinto preparada para dizer se ‘gosto’ ou ‘não gosto’. Há inúmeras vantagens, mas preciso de mais tempo para minimizar os pontos negativos – especialmente porque tivemos alguns contratempos que não estão necessariamente ligados à cidade.”
Mas quer saber? Eu sinto saudades da nossa casinha… será um bom sinal?
Fotos: Creative Commons: martinak15, Rebrn, Ben_Kerckx